Certa vez, quando eu era aluno de Perseverança (para quem não é católico e desconhece, perseverança é a continuação da catequese após a primeira comunhão e vai até o jovem ter idade de cursar a crisma), ganhei um estojão de lápis de cor, canetinhas, tinta e outras coisas de desenho, aqueles estojos grandes do Paraguai que foram muito populares na década de 90. Ter um daqueles era um sonho, porém não tinha condições financeiras de ter um. Quando ganhei senti uma felicidade imensa e aproveitei bastante. Era um sonho, apesar da qualidade dos lápis serem sofríveis. O pastel parecia um borrão e eu quase quebrava meu dedo mindinho tentando esfumar o desenho. Mas e o orgulho de poder ter um e desfilar com ele por aí? Ostentação total!! A professora de catequese sempre levava algum brinde e sorteava entre a gente, e eu ganhei esse estojo num desses sorteios. Era divertido, ela anotava um número e quem acertasse ganhava o brinde. Senti-me a criança mais sortuda do mundo aquele dia!!
Anos se passaram e um dia reencontrei minha professora em um elevador. Eu não a reconheci, estava muito diferente. Ela disse: "Você não se lembra de mim, né? Eu não esqueci você" Nessa hora lembrei quem era ela e ela me fez uma revelação: "Lembra de quando você ganhou um estojo em um sorteio? Preciso te contar algo, eu roubei. Comprei aquele estojo para te dar de presente porque senti necessidade de te estimular de alguma forma. Vi em você uma vocação que precisava crescer e que precisava de uma oportunidade e espaço para isso. O estojo era o que eu poderia lhe oferecer. Mas eu não poderia te dar do nada um presente assim, as outras crianças ficariam tristes e eu não poderia dar para todos. Então fiz o sorteio sem anotar o número, morrendo de medo de alguém perceber esse detalhe. Não importava o número que você escolhesse, você ganharia. Havia o risco de alguém perceber e eu ter que fazer da forma correta. Mas passou, você ganhou e todos compartilharam de sua alegria. Na verdade se você recordar, todo mundo ganhou algo ao longo do ano" Ela piscou para mim, nos despedimos e até hoje não a vi mais...
Não esqueço disso e ainda tenho o estojo guardado. Ele foi ressignificado em minha vida daquele dia em diante...
Esse fato me marcou profundamente. Despertou, e desperta ainda, muita reflexão...
O que tenho a dizer e passarei a minha vida toda repetindo, é:
"Obrigado, professora!"
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