Agora vai ser difícil controlar a emoção. Lembrar da Bianca é lembrar de uma época maravilhosa da minha vida: minha infância. Ela esteve comigo por 15 anos, me amando, ajudando, me ouvindo e aconselhando.
Fui o primeiro a vê-la, no quintal ao lado. Ela uma filhotinha loirinha e espevitada. Eu, um moleque de uns 3 anos. Foi amor à primeira vista. Corri pra contar pra minha mãe. Ela também se apaixonou por ela. Por fim toda a família se apaixonou, ao ponto de dar um nome humano à ela: Bianca.
E não poderia ser diferente, ela era diferente de todos os outros cães. Era meiga, educada, muito fina e elegante. Ela comia devagar, segurava o prato com duas mãos, sempre em pequenas quantidades. Se comia um pão era sempre um pedacinho de cada vez.
Trabalhadora, vigiava o nosso terreiro como ninguém. Tentaram matá-la umas 3 vezes com veneno mas ela resistiu. As pessoas ficavam admiradas com a classe e educação dela.
Quando a gente viajava, ou mesmo passava o dia fora, e voltávamos ela era só festa. Pulava, nos lambia, numa alegria contagiante. Ela se parecia com um cão labrador, mas não era de raça.
Nossa amizade era muito forte. Eu não tinha amigos (os poucos que tinha ou tentaram me matar ou roubar, mas isso é outra história) e ela era minha compania quando ficava em casa. Ela brincava comigo, eu criava as mais loucas fantasias e ela estava sempre nelas. Era muito divertido.
Quando minha mãe estava brava comigo eu me escondia com ela. Nos abraçávamos e eu desbafava. Ela era uma ótima ouvinte. Passava horas conversando com ela, acariciando seu pelo e lhe dando besteiras para comer. Ela me lambia com amor e me olhava de um jeito tão terno que até hoje ninguém nunca mais olhou.
E ela era lésbica. É claro que na época não entendia isso e meus pais preferiam não ver, mas era uma realidade. Ela nunca deixava nenhum cão se aproximar dela, principalmente no cio. Ela batia neles e não importava o tamanho do cão, ela enfrentava do mesmo jeito. As vezes ela conseguia os dominar e assumia o papel de macho, tentando cruzar com eles.
Ela era fêmea por fora mas se comportava como um macho no sexo. Ela subia em outras cachorrinhas tentando cruzar. Por isso digo que ela era lésbica. Nunca teve filhos naturais. Minha mãe sonhava com os filhotinhos dela e minha irmã sempre comentava que seriam lindos. Elas tentavam arrumar namorados para a Bianca, mas ela nunca aceitava. Eu as vezes ajudava minha mãe a tentar fazer com que ela cruzasse com um cachorro. Eu segurava a Bianca e minha mãe pegava o cachorrinho e ficava esfregando ele nela.
Nem preciso dizer que não dava certo… ela dava um latido, brigava com o cachorrinho e subia nele.
Todos os meus amigos morrem de rir quando eu conto essa história, foram eles que disseram que eu deveria contar isso no blog.
Quando a Bianca tinha uns 10 anos e a idade foi pesando, ela começou a sentir a necessidade de ser mãe. Então ela adotou um pintinho. Era a coisa mais linda do mundo. Ela colocava o pintinho nas costas e ele ficava ali o dia inteiro, só saindo para comer e beber. E o amor que os dois sentiam um pelo outro era incrível.
Eu fui crescendo. Ela também. Infelizmente a idade humana é tão diferente da dos cães. Eu me tornando adolescente e ela envelhecendo. Via seus pelos brancos aparecendo, sua atitude mais devagar, o latido mais fraco. Nos últimos anos ela passou a morar na chácara que meu pai tinha. Foi melhor para ela e doia menos em mim, pois sabia que ela estava prestes a partir.
Lá ela era livre, corria no pasto, entre vacas e galinhas. Descansava sob a sombra das árvores e nadava na piscina do vizinho. E era companheira do meu pai no seu trabalho solitário.
Lembro da última vez que nos vimos. Eu passava os apertos do meu primeiro amor e sofria com as injustiças do emprego onde trabalhava. Eu a abracei, beijei-a e desabafei tudo o que sentia. Perguntava pra ela porque tudo tinha que ser tão difícil na minha vida, sacrificado e demorado? Ela me olhava com amor, me lambia e dizia “Calma, tenha paciência. No fim tudo vai dar certo, você vai ver. E lembre-se: eu sempre vou te amar”. Dei um abraço apertado nela e me despedi. Alguma coisa já dizia em mim que seria nosso último encontro.
E foi. Meses depois meu pai e mãe deram-me a notícia. Após um dia de trabalho, ajudando meu pai e mãe na chácara, ela se deitou sob a sombra de uma árvore e dormiu, para sempre. 7 horas da noite recebi a notícia e meu pai me levou até ela. Eles não a enterraram porque sabiam o quão importante ela era para mim. Vi seu corpo frio, mas com uma certa alegria em seu rosto. Acariciei seu pelo, cortei um pedaço que guardo de recordação até hoje e a beijei pela última vez.
Uma lembrança que guardo foi um dia em que sem querer eu caí em cima dela e quase a machuquei. No momento ela avançou instintivamente em mim e foi com a boca aberta para morder minha perna. Mas minha mãe disse que nessa fração de segundo ela me reconheceu e não me mordeu. “Ela gosta muito de você mesmo, se fosse eu teria me mordido” – disse minha mãe. Eu abracei a Bianca e disse que ela ia ser minha amiga para sempre.
E será.
Afinal…
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas, como disse Antoine de Saint-Exupéry.
Ela até hoje é presente em minha vida, em meu trabalho, em meus desenhos, em meus textos e meus sonhos. Quando estou triste, lembro de seu amor e tudo fica bom novamente.
Posso até viver sem que nenhum humano tenha me amado, mas nunca poderei dizer que não fui amado. Bianca me ensinou a lutar pelos meus sonhos, a respeitar aos outros, a não ter preconceito, a não julgar e a me entregar de verdade ao que acredito e amo, sem medo do que os outros vão pensar ou julgar.
Bianca, obrigado por tudo… eu te amo… eternamente….
bjoooooo minha loirinha linda!!!
PS: e depois ainda tenho que contar do meu gato Chimena que era travesti e amigo da Bianca…hahahaha… É sério! rzz